Tudo
isto que Jesus faz, as suas atitudes, seus gestos e suas palavras, revelam uma
nova visão das coisas, um novo ponto de partida, uma nova ordem. Não é uma nova
ordem no sentido de Jesus oferecer um programa concreto de ação política ou
social, mas ele oferece e propõe alguns pontos básicos que devem inspirar e
renovar pela raiz todo o relacionamento entre os homens, em qualquer tipo de
organização que estiverem.
Alguns
destes pontos básicos: 1. o poder deve ser exercido como serviço (Mt 20,
24-28); quem quiser ser o primeiro deve ser o último (Mt 20, 16; Mc 9,35);
devem lavar os pés uns dos outros (Jo 13,14); 2. Jesus revela Deus como Pai (Mt
23, 8-9; Jo 13, 8-11); esta é a raiz da fraternidade; pede para que se imite Deus:
“Sede perfeitos como vosso Pai é
perfeito, que faz chover sobre bons e maus” (Mt 5,43-48); 3. Jesus une o
amor a Deus ao amor ao próximo; estes dois mandamentos são iguais e não podem
ser separados (Mt 22,34-40; Mt 6,14-15); são como dois lados da mesma medalha;
é o mesmo que ligar fé e vida; 4. Jesus radicaliza a lei, isto é, religa a lei
à sua raiz que é o bem-estar do homem (Mt 12,1-7; Mc 2,27); 5. Jesus renova por
dentro o relacionamento homem-mulher, e torna a exigir o ideal que estava na
mente do Criador: “No começo não era
assim!” (Mt 19, 1-9); 6. Jesus propõe um novo culto e lhe dá um novo
conteúdo (Jo 4,20-24; 2,21); a celebração central da páscoa tem agora outro
quadro de referência (Jo 13,1; Lc 22, 14-20); 7. Coloca-se a si mesmo no centro
do relacionamento entre o homem e Deus: “Ninguém
vem ao Pai senão por mim!” (Mt 11,27; Jo 14,6); “Eu sou o caminho, a verdade e a vida!” (Jo 14,6).
Onde
os seguidores de Jesus tiverem presente estes pontos, eles necessariamente
tomarão as mesmas atitudes frente à sociedade de hoje que Jesus tomou no tempo
dele. Lutarão como ele pela libertação da vida, aprisionada em estruturas
envelhecidas e opressoras, para que todos possam ter vida e vida em abundância.
Esta
nova ordem está presente em germe na própria prática de Jesus e no jeito novo
que ele tinha de ensinar as coisas: 1. Linguagem simples em forma de parábolas,
que não faz saber, mas faz descobrir (Mc 4,33); 2. Ajuda os apóstolos e o povo
a refletir a partir dos fatos (Lc 13,1-5; 21,1-4), e das coisas da vida (Mt
6,26; Jo 16,21-22); 3. Confronta os apóstolos com os problemas do povo: “Dêem-lhe vocês mesmos de comer!” (Mc
6,37); 4. Jesus ensina com autoridade sem citar autoridades, diferentes dos
escribas que viviam citando os doutores da tradição (Mc 1,22); 5. Dá grande
atenção às pessoas sem distinção (Mt 22,16); 6. Ensina em qualquer lugar e
acolhe todos no seu auditório, inclusive as mulheres que não podiam participar
das instruções nas sinagogas (Lc 8,1-3); 7. Apresenta as crianças como
professores de adultos: “Se não se
tornarem como crianças, não poderão entrar no reino!” (Mt 18,3); 8. Ele
mesmo vive e faz o que ensina e diz, e ninguém consegue acusá-lo de algum
pecado (Jo ,46); 9. Ele é livre e comunica liberdade aos que o cercam (Jo
8,32-36), dando-lhes coragem de transgredir as tradições caducas dos escribas e
arrancar espigas no campo (Mt 12,1-8); 10. Ora, passa noites em oração, e assim
suscita nos outros vontade de orar (Lc 11,1; 5,16; 6,12; 9,18.28; 22,41).
Teve um grande
teólogo judeu que escreveu um livro chamado “Jesus e os judeus”. Ele mostra de
maneira clara que quem matou Jesus não foi o povo judeu. Foram os dirigentes,
os chefes do povo de Israel. O povo judeu, ao contrário, estava ao lado de
Cristo. Vemos inclusive que os chefes somente conseguiram pegar Jesus
escondidos do povo, traindo, comprando um discípulo.
Jesus teve uma
posição não politicamente direta e sim profética. Ele não tinha programa
político definido, como o tinham os Zelotes, os Saduceus e os Fariseus. Ele
também não fundou uma corrente política que visasse diretamente o poder.
É verdade que existiram
grandes historiadores que consideraram Jesus um Zelote. E isso porque o seu
discurso crítico, violento, era parecido com o dos Zelotes. Cristo também expulsou
os vendilhões do Templo, coisa que os Zelotes queriam e, sobretudo, porque ele
morreu como um revolucionário, como um Zelote, como um criminoso político. Está
inclusive escrito em cima de sua cruz: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. Quer
dizer, um chefe Zelote, um rei Zelote, que assim é condenado na Cruz. Por todos
esses motivos, ele teria sido considerado um Zelote. Mas existem outros dados
que demonstram a desaprovação de Cristo em relação à prática dos Zelotes. Temos
as palavras de perdão, de não violência. Jesus anda em companhia dos fiscais,
se relaciona com os romanos e resiste à tentação do poder, o que não ocorria
aos Zelotes. E ele guarda o segredo messiânico. Ele não queria revelar sua
identidade messiânica para não provocar atitudes de sublevação no meio do povo,
pois achava que isto iria ser um suicídio.
Parte do
ideário, da concepção, da mentalidade do programa Zelote era partilhado por
Jesus. Parte era combatida.
Jesus era um
ser apolítico? Alienado?
Por outro
lado, Jesus não era um ser alienado, indiferente. O poder uma tentação
satânica, mas o poder em questão era o de dominação, Jesus nunca foi contra o
poder como tal, enquanto poder de serviço. Ele foi contra o poder de dominação.
E se guardava o poder messiânico, era porque o povo fazia uma idéia mística do
Messias. Uma idéia mágica de um Messias milagreiro, demagógico, paternalista,
portanto uma idéia não libertadora, não autêntica.
Cristo teve
uma atuação política verdadeira, mas a nível profética. Foi um revolucionário
profético. A sua grande idéia é a do Reino de Deus, que é um projeto radical,
de transformação total da sociedade. Quando prega o Reino de Deus, prega uma
revolução integral, uma revolução absoluta.
No fundo, a
raiz da proposta de Cristo é, na verdade, profética. Mas ela tinha implicações
e efeitos claramente políticos. Essa proposta leva-o a atacar o Templo, o
cérebro central da exploração do sistema. Porque era profética, a sua proposta
tinha uma implicação política. E os efeitos disso também são políticos. Vemos
que Cristo é perseguido continua- mente durante toda sua vida pública ele; é
julgado por dois tribunais pelo religioso onde foi declarado blasfemo; pelo
romano, onde foi condenado exatamente como Messias, como revolucionário.
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